*Por
Arlene Borges da Cunha
A Década Internacional dos povos Afrodescendentes, instituída pela ONU (2015/2024)
é tempo por demais suficiente para refletirmos sobre as questões que dizem
respeito não só às relações entre raças/etnias, ao combate ao racismo (envolvendo
notadamente a raça negra em todos os quadrantes do mundo) mas às que, de forma
generalizada, se dão entre os indivíduos inseridos num todo social que,
cindido entre forças produtivas e relações de produção, torna frágil a subjetividade
dos sujeitos(então indicadora de autonomia de um modelo social iluminista, de
que somos herdeiros).
Numa sociedade em que prevalece o movimento das mercadorias e não o da
ação humana, o contato com o outro se estabelece sob a égide do imediatismo,
ou, apropriando-nos da linguagem freudiana, ao lidar com o próximo, percepções
internas podem sobrepor-se às percepções externas, o que significa que, não
mais em si, o sujeito identifica no seu semelhante sentimentos que recusa
(embora lhe pertençam) aliviando-se da tensão que tal pulsão lhe provoca.
O preconceito, o alvo mais recrudescente, volta-se contra os negros (com
quem este País tem uma dívida histórico-social de longo alcance)–que em nada
difere do fenômeno a que é chamado de antissemitismo - projeção negativa do
indivíduo que, por negar o que está próximo, produz o rompimento (dialético)
entre sujeito e objeto pela rejeição do que não lhe é igual, na medida em que,
não se estabelecendo uma relação entre o que se projeta e o que se experimenta,
resulta em “sentimentos de superioridade [...] próprios de uma sociedade
hierárquica e desigual” (Parecer CNE/CP 3/2004 que institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana).
Neste sentido, na medida em que se constata nas relações sociais de toda
ordem explícita ou tacitamente o primado do branqueamento do não idêntico,
conduta inexplicável de uma sociedade indiferente a uma crítica objetiva da própria
formação, faz-se necessário investir em políticas de reparação, de ações
afirmativas, no intuito de combate à privação e violação de direitos.
Desta forma, não se pode deixar de dizer sobre a intolerância, estado
social próximo à barbárie(BENJAMIN, 1985)cujo antídoto se localiza na prática
humana da educação, quando dirigida à emancipação do sujeito que se educa.
Mas, a educação, a priori tida como princípio esclarecedor das gerações,
pode reduzir-se tão somente ao que os filósofos da Escola de Frankfurt chamam
de semiformação, processo em que o pensamento não reflexivo se prende a
conteúdos conformistas, que remetem a muitos procedimentos antissociais a que
hoje assistimos.
E, na medida em que educar/ser educado é, essencialmente, nos tornarmos
prenhes de experiências ao longo da vida (aqui não nos referindo apenas às
experiências inseridas no âmbito das ciências naturais, mas à aquisição da
consciência de experiência, de cujo processo muitas vezes somos alijados por
razões historicamente situadas) é que se faz imprescindível repensar o papel
social que cabe à escola, numa sociedade que se tornou objetiva no seu modo de
produzir-se e reproduzir-se a si mesma, num mundo em que ciência/tecnologia
dissolvem qualquer tipo de experiência formativa.
A ela, posto que todos seus condicionantes histórico-sociais, devemos
recorrer, instituição ímpar e necessária, quando se trata da formação para
autorreflexão crítica,“a única contra o princípio de Auschwitz”, dirá Adorno (2010)
capaz de contribuir para nos desenvolver o pensamento autônomo, o qual eleve ao
nível do conceito o que muitas vezes consideramos seguramente(enquanto sujeitos
do processo ensino-aprendizagem) simples questionamentos do real.
A partir desta inequívoca condição, é possível falar de (re) educação
para relações étnico-raciais, o que significa sermos capazes de defender/ fazer
respeitar o que nos iguala e ao mesmo tempo nos diferencia. Ou retornando mais
uma vez a Adorno (2010) em conhecido aforismo: identificar na diferença o que é
semelhante e o que é semelhante na diferença.
Referências:
ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Trad. Wolfang L.Maar. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2010.
BENJAMIN, W. Sobre o conceito de história. Tese VII. In Magia e técnica;
arte e política. Obras escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.
PARECER CNE / CP 3 / 2004 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana. < Disp.<www.mec.gov.br/cne Acesso> 07/06/2015.
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